terça-feira, 13 de outubro de 2009

Portugal de Relance (e desfocado)

Este tempo entre o fim das campanhas eleitorais e o recomeço da actividade política dá-nos sempre umas pérolas para nos entretermos. Corre pela internet um abaixo-assinado exigindo que Maitê Proença faça um pedido de desculpas «claro» a Portugal. Porquê? Por causa de um vídeo feito numa sua visita em 2007 e exibido no programa Saia Justa do GNT. Fui ver. De facto, o tal filme não é muito simpático: chama a Sintra, como já tinha lido hoje nos jornais, «uma vilazinha perto de Lisboa», cospe num monumento nacional e enche-se de referências aos clichés sobre a pouca inteligência dos portugueses que, como sabemos, são tão frequentes no Brasil. É verdade também que já estão a circular pela internet muitas respostas à actriz. Há quem lhe explique o que significa um 3 invertido numa porta, ou que o Salazar foi ditador de Portugal durante bem mais que «vinte anos». Há quem lhe chame burra, loira e muitas outras coisas que acabam sempre por chamar a toda a gente cobertos pelo anonimato...
E há também já, e logo aí nessa mesma página do youtube, quem tenha começado a insultar os brasileiros, como se a Maitê Proença representasse mais do que a sua opinião, o seu ódio e o seu desrespeito pessoal. E não representa. Confundir a opinião ou os actos de alguém com um povo por atacado é fazer a mesma maitêzada de que se pretendem queixar. Por isso, é quase sempre melhor o silêncio. E quando os comentários são puramente racistas e complexados, o silêncio é mesmo fundamental.
Diz-se que quem não se sente não é filho de boa gente. E muita boa gente ficou sentida com Maitê Proença. Ninguém gosta de ver o seu país assim achincalhado. Mas exigir um pedido de desculpa a Portugal? Era o que faltava! Que seria se Maitê ou quem quer que seja - e de onde quer que seja - não pudesse dizer o que lhe apetecesse e da forma que lhe apetecesse! Parece-me o mesmo tipo de raciocínio que exige pedidos de desculpa por caricaturas de Maomé, por livros que tratem o Profeta de maneira menos ortodoxa ou por filmes que mostrem Cristo a comer a Madalena. Com uma diferença: foi um vídeo da Maitê Proença que passou no Saia Justa. Sim, chama-nos a todos burros e assim, mas não vem grande mal ao mundo.
E, se cada um de nós se pode sentir ofendido e cheio de vontade de receber um telefonema individual de retractação, Portugal não se ofende assim tão facilmente.
Já muitas vezes o nosso país tem sido alvo de comentários mais ou menos cáusticos (a propósito, vale a pena ler o delicioso Portugal de Relance, escrito pela princesa Letícia Rattazzi - mais ou menos como a Maitê Proença, mas chique, inteligente e divertida - que causou um verdadeiro escândalo nos finais do século XIX, cabendo então ao Camilo a defesa da honra) e não consta que se tenha importado muito. Aliás, os países e os povos estão lá para isso mesmo: para se gostar ou não se gostar, para se conhecer, para se descobrir, para nunca mais voltar, e por aí.
Pronto, pronto, já passou: rasguem lá o abaixo-assinado, bebam um copo de leite quente que isso passa. E nada de dizer mal dos brasileiros. E à Maitê (também não te ficas a rir): em 2007 ter-te-ia dito exactamente o que te faltava para mudares de ideias sobre Portugal e os portugueses. Mas agora, em 2009, e a crer no que se lê por aí, parece que já trataste disso. Ainda bem.

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